

É em sua américa natal que Hakim se vê picado pelo mosquito revolucionário do anarquismo. Une seus novos conhecimentos aos já consolidados em relação ao sufismo e daí surge uma estranha e originalíssima liga, auto-nomeada de anarquismo ontológico, uma, digamos, corrente de anarquismo criticada até mesmo pelos anarquistas, que a visualizam de modo pejorativo como um anarquismo individualista e apolítico, que mistura elementos (misticismo, obscurantismo) que não caem nada bem aos anarquistas tradicionais.
A partir da inusitada mistura de elementos culturais/ideológicos distintos é que a lenda de Hakim Bey ganha força, na mesma proporção que os seus textos – sobre assuntos tão distintos quanto máfias chinesas descentralizadas conhecidas (tongs), comunalismo experimental de Charles Fourier, conexões entre o sufismo e a antiga cultura Celta, tecnologia e internet, terrorismo poético, ludismo, turismo e o uso ritualizado de substâncias alteradoras da consciência, dentre outros – vão sendo difundidos pelos submundos deste planeta, especialmente em meados dos anos 80 e 90.
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Mas o que teria a Zona Autônoma Temporária para que públicos tão distintos quanto ravers e/ou comunicólogos a pensassem como praticável para suas vidas/estudos?
Pra tentar responder, eis o primeiro capítulo de Taz intitulado “Utopias Piratas“.
OBS = Antes da leitura um alerta: tanto o conteúdo quanto o estilo do texto são, digamos, polêmicos, além de algo herméticos. Podem incomodar – o que não duvido que seja a principal ideia do autor para com seus leitores.
UTOPIAS PIRATAS
OS PIRATAS E CORSÁRIOS do século XVIII montaram uma “rede de informações” que se estendia sobre o globo. Mesmo sendo primitiva e voltada basicamente para negócios cruéis, a rede funcionava de forma admirável. Era formada por ilhas, esconderijos remotos onde os navios podiam ser abastecidos com água e comida, e os resultados das pilhagens eram trocados por artigos de luxo e de necessidade. Algumas dessas ilhas hospedavam “comunidades intencionais”, mini-sociedades que conscientemente viviam fora da lei e estavam determinadas a continuar assim, ainda que por uma temporada curta, mas alegre. Há alguns anos, vasculhei uma grande quantidade de fontes secundárias sobre pirataria esperando encontrar algum estudo sobre esses enclaves – mas parecia que nenhum historiador ainda os havia considerado merecedores de análise. (William Burroughs mencionou o assunto, assim como o anarquista britânico Larry Law – mas nenhuma pesquisa sistemática foi levada adiante.) Fui então em busca das fontes primárias e construí minha própria teoria, da qual discutiremos alguns aspectos neste ensaio. Eu chamei esses assentamentos de Utopias Piratas¹. Recentemente, Bruce Sterling, um dos principais expoentes da ficção cientifica cyberpunk, publicou um romance ambientado num futuro próximo e tendo como base o pressuposto de que a decadência dos sistemas políticos vai gerar uma proliferação de experiências comunitárias descentralizadas: corporações gigantescas mantidas por seus funcionários, enclaves independentes dedicados à “pirataria de dados”, enclaves verdes e social-democratas, enclaves de Trabalho-Zero, zonas anarquistas liberadas etc. A economia de informação que sustenta esta diversidade é chamada de Rede. Os enclaves (e o título do livro) são Ilhas na Rede. Os Assassins² medievais fundaram um “Estado” que consistia de uma rede de remotos castelos em vales montanhosos, separados entre si por milhares de quilômetros, estrategicamente invulneráveis a qualquer invasão, conectados por um fluxo de informações conduzidas por agentes secretos, em guerra com todos os governos, e dedicado apenas ao saber. A tecnologia moderna, culminando no satélite espião, reduz esse tipo de autonomia a um sonho romântico. Chega de ilhas piratas! No futuro, essa mesma tecnologia - livre de todo controle político – pode tornar possível um mundo inteiro de zonas autônomas. Mas, por enquanto, o conceito continua sendo apenas ficção científica – pura especulação. Estamos nós, que vivemos no presente, condenados a nunca experimentar a autonomia, nunca pisarmos, nem que seja por um momento sequer, num pedaço de terra governado apenas pela liberdade? Estamos reduzidos a sentir nostalgia pelo passado, ou pelo futuro? Devemos esperar até que o mundo inteiro esteja livre do controle político para que pelo menos um de nós possa afirmar que sabe o que é ser livre? Tanto a lógica quanto a emoção condenam tal suposição. A razão diz que o indivíduo não pode lutar por aquilo que não conhece. E o coração revolta-se diante de um universo tão cruel a ponto de cometer tais injustiças justamente com a nossa, dentre todas as gerações da humanidade. Dizer “só serei livre quando todos os seres humanos (ou todas as criaturas sensíveis) forem livres”, é simplesmente enfurnar-se numa espécie de estupor de nirvana, abdicar da nossa própria humanidade, definirmo-nos como fracassados. Acredito que, dando consequência ao que aprendemos com histórias sobre “ilhas na rede”, tanto do passado quanto do futuro, possamos coletar evidências suficientes para sugerir que um certo tipo de “enclave livre” não é apenas possível nos dias de hoje, mas é também real. Toda minha pesquisa e minhas especulações cristalizaram-se em torno do conceito de ZONA AUTÔNOMA TEMPORÁRIA (daqui por diante abreviada por TAZ). Apesar de sua força sintetizadora para o meu próprio pensamento, não pretendo, no entanto, que a TAZ seja percebida como algo mais do que um ensaio (“uma tentativa”), uma sugestão, quase que uma fantasia poética. Apesar do ocasional excesso de entusiasmo da minha linguagem, não estou tentando construir dogmas políticos. Na verdade, deliberadamente procurei não definir o que é a TAZ – circundo o assunto, lançando alguns fachos exploratórios. No final, a TAZ é quase utoexplicativa. Se o termo entrasse em uso seria compreendido sem dificuldades… compreendido em ação.
1: Utopias Piratas: Mouros, hereges e renegados, de Peter Lamborn Wilson. Publicado no Brasil pela Editora Conrad.
2: Assassins: antiga ordem secreta muçulmana do século XI. Seu nome vem da palavra “Hashshashin” (usuários do haxixe).
->Outro texto que trata da web é o intitulado “Sedução dos Zumbis Cibernéticos“, escrito ainda em 1997 (download no fim do post ). E outro livro editado no Brasil de Hakim Bey é o “Caos: Terrorismo Poético e outros Crimes Exemplares“, uma coletânea de devaneios filosóficos/poéticos/anarquistas que já foi postado anteriormente AQUI.
Para mais textos do homem visite este blog, em português, ou esta página, em inglês; ambas contém boa parte da obra do autor e permitem o acesso gratuito à ela.
TODOS OS LINKS ON
Livro: TAZ - Zona Autônoma Temporária
Autor: Hakim Bey

404 kb - pdf
Texto: Sedução dos Zumbis Cibernéticos
Autor: Hakim Bey

54kb - pdf
Livro: Caos - Terrorismo poético e outros crimes exemplares
Autor: Hakim Bey

464kb - rtf
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