O senhor da foto, que para os desavisado parece um mendigo errante, é um dos mais brilhantes e polêmicos pensadores da atualidade. Mas em questão de conhecimento aparência não significa nada...
Hakim Bey é o codinome usado por ele,
Peter Lamborn Wilson, nascido em Baltimore, Estados Unidos, em 1945, que após estudar na tradicional Universidade de Columbia, em Nova Iorque, fez uma longa viagem à Ásia e Oriente Médio em busca das raízes e dos templos do
sufismo. Peter (ou Hakim) veio a se fixar por algum tempo no Irã, onde atuou como consultor e pesquisador do sufismo, ainda nos anos da década de 1970 pré-Revolução Islâmica, que, quando chegou em 1979, levou o Aiatolá Khomeini ao poder e Hakim Bey de volta aos Estados Unidos.
É em sua américa natal que Hakim se vê picado pelo mosquito revolucionário do anarquismo. Une seus novos conhecimentos aos já consolidados em relação ao sufismo e daí surge uma estranha e originalíssima liga, auto-nomeada de
anarquismo ontológico, uma, digamos, corrente de anarquismo criticada até mesmo pelos anarquistas, que a visualizam de modo pejorativo como um anarquismo individualista e apolítico, que mistura elementos (misticismo, obscurantismo) que não caem nada bem aos anarquistas tradicionais.
A partir da inusitada mistura de elementos culturais/ideológicos distintos é que a lenda de Hakim Bey ganha força, na mesma proporção que os seus textos – sobre assuntos tão distintos quanto máfias chinesas descentralizadas conhecidas (
tongs), comunalismo experimental de
Charles Fourier, conexões entre o sufismo e a antiga cultura Celta, tecnologia e internet, terrorismo poético, ludismo, turismo e o uso ritualizado de substâncias alteradoras da consciência, dentre outros – vão sendo difundidos pelos submundos deste planeta, especialmente em meados dos anos 80 e 90.
H
akim Bey escreveu o simpático livrinho
“T.A.Z. - Zona Autônoma Temporária”, editado
(e já esgotado, download no fim do post) no Brasil pela Conrad, é nitroglicerina explosiva, e não somente para os deslocados ou escondidos anarquistas, comunistas ou simpatizantes de ambas ideologias. Seu poder de comunicação e sua verborragia explicativa e revolucionária chegou aos altos e baixos escalões culturais como uma tentativa de explicação pertinente ao mundo atual, ou pelo menos a uma parte dele, a que diz mais respeito a chamada rede (ou
The Net, nas palavras de Hakim). Foi muito bem aceito por pesquisadores de comunicação, ainda mais quando se vê que Hakim não se parece em nada com tantos outros teóricos/pensadores adotados pela rigorosa academia. Houve até adoção dos textos de Hakim Bey – principalmente de Taz – entre os frequentadores de raves e adeptos do que se convenciona chamar de cultura rave não é de todo surpreendente e até mereceu uma típica resposta do próprio pensador:
“Os frequentadores de raves estão entre meus maiores leitores… Gostaria que eles pudessem repensar toda sua relação com a tecnologia – eles deixaram de lado parte do que escrevi”. (pela
Wikipédia).
Mas o que teria a Zona Autônoma Temporária para que públicos tão distintos quanto ravers e/ou comunicólogos a pensassem como praticável para suas vidas/estudos?
Pra tentar responder, eis o primeiro capítulo de Taz intitulado “Utopias Piratas“.
OBS = Antes da leitura um alerta: tanto o conteúdo quanto o estilo do texto são, digamos, polêmicos, além de algo herméticos. Podem incomodar – o que não duvido que seja a principal ideia do autor para com seus leitores.
UTOPIAS PIRATAS
OS PIRATAS E CORSÁRIOS do século XVIII montaram uma “rede de informações” que se estendia sobre o globo. Mesmo sendo primitiva e voltada basicamente para negócios cruéis, a rede funcionava de forma admirável. Era formada por ilhas, esconderijos remotos onde os navios podiam ser abastecidos com água e comida, e os resultados das pilhagens eram trocados por artigos de luxo e de necessidade. Algumas dessas ilhas hospedavam “comunidades intencionais”, mini-sociedades que conscientemente viviam fora da lei e estavam determinadas a continuar assim, ainda que por uma temporada curta, mas alegre. Há alguns anos, vasculhei uma grande quantidade de fontes secundárias sobre pirataria esperando encontrar algum estudo sobre esses enclaves – mas parecia que nenhum historiador ainda os havia considerado merecedores de análise. (William Burroughs mencionou o assunto, assim como o anarquista britânico Larry Law – mas nenhuma pesquisa sistemática foi levada adiante.) Fui então em busca das fontes primárias e construí minha própria teoria, da qual discutiremos alguns aspectos neste ensaio. Eu chamei esses assentamentos de Utopias Piratas¹. Recentemente, Bruce Sterling, um dos principais expoentes da ficção cientifica cyberpunk, publicou um romance ambientado num futuro próximo e tendo como base o pressuposto de que a decadência dos sistemas políticos vai gerar uma proliferação de experiências comunitárias descentralizadas: corporações gigantescas mantidas por seus funcionários, enclaves independentes dedicados à “pirataria de dados”, enclaves verdes e social-democratas, enclaves de Trabalho-Zero, zonas anarquistas liberadas etc. A economia de informação que sustenta esta diversidade é chamada de Rede. Os enclaves (e o título do livro) são Ilhas na Rede. Os Assassins² medievais fundaram um “Estado” que consistia de uma rede de remotos castelos em vales montanhosos, separados entre si por milhares de quilômetros, estrategicamente invulneráveis a qualquer invasão, conectados por um fluxo de informações conduzidas por agentes secretos, em guerra com todos os governos, e dedicado apenas ao saber. A tecnologia moderna, culminando no satélite espião, reduz esse tipo de autonomia a um sonho romântico. Chega de ilhas piratas! No futuro, essa mesma tecnologia - livre de todo controle político – pode tornar possível um mundo inteiro de zonas autônomas. Mas, por enquanto, o conceito continua sendo apenas ficção científica – pura especulação. Estamos nós, que vivemos no presente, condenados a nunca experimentar a autonomia, nunca pisarmos, nem que seja por um momento sequer, num pedaço de terra governado apenas pela liberdade? Estamos reduzidos a sentir nostalgia pelo passado, ou pelo futuro? Devemos esperar até que o mundo inteiro esteja livre do controle político para que pelo menos um de nós possa afirmar que sabe o que é ser livre? Tanto a lógica quanto a emoção condenam tal suposição. A razão diz que o indivíduo não pode lutar por aquilo que não conhece. E o coração revolta-se diante de um universo tão cruel a ponto de cometer tais injustiças justamente com a nossa, dentre todas as gerações da humanidade. Dizer “só serei livre quando todos os seres humanos (ou todas as criaturas sensíveis) forem livres”, é simplesmente enfurnar-se numa espécie de estupor de nirvana, abdicar da nossa própria humanidade, definirmo-nos como fracassados. Acredito que, dando consequência ao que aprendemos com histórias sobre “ilhas na rede”, tanto do passado quanto do futuro, possamos coletar evidências suficientes para sugerir que um certo tipo de “enclave livre” não é apenas possível nos dias de hoje, mas é também real. Toda minha pesquisa e minhas especulações cristalizaram-se em torno do conceito de ZONA AUTÔNOMA TEMPORÁRIA (daqui por diante abreviada por TAZ). Apesar de sua força sintetizadora para o meu próprio pensamento, não pretendo, no entanto, que a TAZ seja percebida como algo mais do que um ensaio (“uma tentativa”), uma sugestão, quase que uma fantasia poética. Apesar do ocasional excesso de entusiasmo da minha linguagem, não estou tentando construir dogmas políticos. Na verdade, deliberadamente procurei não definir o que é a TAZ – circundo o assunto, lançando alguns fachos exploratórios. No final, a TAZ é quase utoexplicativa. Se o termo entrasse em uso seria compreendido sem dificuldades… compreendido em ação.
1: Utopias Piratas: Mouros, hereges e renegados, de Peter Lamborn Wilson. Publicado no Brasil pela Editora Conrad.
2: Assassins: antiga ordem secreta muçulmana do século XI. Seu nome vem da palavra “Hashshashin” (usuários do haxixe).
->Outro texto que trata da web é o intitulado
“Sedução dos Zumbis Cibernéticos“, escrito ainda em 1997 (download no fim do post ). E outro livro editado no Brasil de Hakim Bey é o
“Caos: Terrorismo Poético e outros Crimes Exemplares“, uma coletânea de devaneios filosóficos/poéticos/anarquistas que já foi postado anteriormente
AQUI.
Para mais textos do homem visite
este blog, em português, ou
esta página, em inglês; ambas contém boa parte da obra do autor e permitem o acesso gratuito à ela.
TODOS OS LINKS ON
Livro: TAZ - Zona Autônoma Temporária
Autor: Hakim Bey
404 kb - pdf
Texto: Sedução dos Zumbis Cibernéticos
Autor: Hakim Bey
54kb - pdf
Livro: Caos - Terrorismo poético e outros crimes exemplares
Autor: Hakim Bey
464kb - rtf